SEQUELA Nº 5 (MAIO/15)

DOS REENCONTROS

Um quarto de hotel chique em Tóquio. Roupas para todos os lados indicam uma completa desordem. Charlotte entra e nem tira a bolsa dos ombros. Ela chama o marido, mas John uma vez mais não está. Ela recolhe algumas roupas e objetos pessoais e os acomoda sem muito cuidado em uma mala pequena. Quando está tudo pronto, ela olha o celular e busca o nome de John. Faz menção de escrever uma mensagem, mas desiste. Recolhe um maço de cigarros e o guarda na bolsa. Encontra um papel qualquer e escreve à mão: “acabou o cigarro”. Ela escreve “sua”, logo rabisca o possessivo mal empregado. Assina apenas “C”. Sai, sem olhar pra trás.

A milhares de quilômetros dali, nos EUA, outra porta se fecha na sala da casa de Bob Harris que acaba de chegar, mas ninguém está ali lhe esperando. Ele deixa as malas ali mesmo, no meio do cômodo onde tudo está em no seu devido lugar, e parece só agora sentir o peso da longa viagem que acaba de empreender. Ele se aproxima da janela e olha lá fora o trânsito caótico de um dia qualquer. Ele pega o celular e busca um nome. Detém-se na letra C, vai chamar, mas é interrompido pela porta que se abre abruptamente na sala e dá espaço para a chegada de Nancy e JR no ambiente. O menino vai correndo até o pai para matar as saudades. A mulher diz que ele chegou mais cedo que o previsto e lhe dá um beijo protocolar. Bob a encara como se fosse a primeira vez em muitos anos. Ela fica desconcertada e lhe pergunta o que foi. Ele responde que há muito tempo não a olhava nos olhos. O menino sai correndo e se joga nas malas. Quer saber que presentes vai ganhar. Bob se aproxima e abre uma das malas. A primeira coisa à vista é uma peruca rosa. O menino fala que peruca é coisa de mulherzinha. Bob coloca a peruca e repete, imitando a voz do menino. Eles riem juntos. De longe, Nancy diz que é melhor Bob ir descansar, que ele está estranho. Ele rebate: só está vivo. O menino corre pela casa com um carrinho moderno, automático que emite uma profusão de luzes coloridas e sons incômodos. Ele pede para o pai levá-lo ao Japão da próxima vez. Bob promete que sim, que o levará. As luzes ficam refletindo na parede da sala.

São luzes coloridas também que Charlotte vê piscando na pista de pouso do avião. Ela segue o fluxo de pessoas que desembarcam e buscam suas malas. Ela não precisa esperar. Já tem tudo em suas mãos. Ela sai do aeroporto e entra em um táxi. Quando o motorista lhe pergunta para onde, ela não sabe o que dizer e o manda seguir em frente. Ela pega o celular, hesita um instante e disca.

O telefone de Bob toca e ele atende no mesmo instante, ansioso. É seu agente lhe dizendo que a campanha no Japão foi bem recebida. Que agora a Mont Blanc quer filmar com ele ainda nesta semana. Bob não pode disfarçar sua decepção. O agente estranha. A Mont Blanc é uma marca de prestígio. Bob diz apenas: foi. O agente não quer estender este tema e logo passa para as explicações práticas, na hora da filmagem um carro irá buscá-lo como sempre. Bob desliga e volta a ostentar aquele ar cansado de quem vive no modo repeat.

Charlote troca algumas poucas palavras com o pai: avisa que vai dormir na casa dele esta noite. Quando chega, o velho pergunta por John. Ela conta que ele ficou em Tóquio. O pai reclama que o genro nunca está. Charlotte assente, triste. O pai percebe. Quer saber se está tudo bem, mas Charlotte não dá espaço para conversa. Quer só descansar. Ela entra em um quarto, se acomoda e liga a TV. Ela se surpreende ao ver que um Bob mais jovem está logo ali, na telinha, protagonizando uma comédia antiga. Ela acha graça e resolve ver o filme. Acaba dormindo com ele ao seus pés.

É madrugada. Bob está na sala, tomando um whisky sozinho. Zapeia os canais da televisão e se depara com um programa de auditório daqueles em que as risadas soam mais artificiais do que o seu entusiasmo em promover um produto qualquer. Ele desliga o aparelho e fica em silêncio, sozinho, com a cabeça em outro lugar.

Charlotte desperta com os primeiros raios de sol. A casa inteira parece deserta.

Bob se desperta com Nancy dizendo para ele ir dormir no quarto. Ele obedece, sonolento. Ela sai sem se despedir.

Charlotte caminha por uma rua comercial. Entra em um café e compra algo para comer. Um jovem lhe faz um elogio bobo e se insinua, conquistador. Charlotte acha graça, mas se afasta sem dizer nada. O jovem vai atrás dela e diz que eles vão se encontrar outra vez logo. Ao ouvir isso, Charlotte se vira imediatamente para ele. Pede para ele repetir o que acaba de dizer. O jovem fica feliz. Entende o interesse como um sim. Charlotte parece confusa. O jovem pergunta o que foi. Ela diz que é a segunda vez que ouve isso estes dias. O jovem tenta emendar uma conversa, mas Charlotte o deixa ali, falando sozinho.

O telefone toca insistentemente, mas Bob não acorda para atender. Charlotte insiste com o aparelho nas mãos. O telefone continua tocando. JR invade o quarto dos pais e atende. Charlotte fica feliz. Ela diz o nome de Bob antes de escutar a voz infantil do outro lado. O menino quer saber quem é. Charlotte diz que foi um engano e desliga, arrasada. Bob acorda e vê o filho com o telefone na mão. Ele pergunta quem era, o que queria. O menino diz que era apenas uma amiga que disse que liga de novo depois. Bob toma o aparelho das mãos dele e fica feliz ao ver o C na tela identificando a chamada. Ele se afasta do menino e vai ao banheiro com o telefone. Liga para Charlotte. Uma, duas, três vezes. Nada.

O telefone toca sem parar, mas Charlotte não quer ouvir. Coloca um fone de ouvido e ouve uma canção enquanto observa, contemplativa, o movimento da cidade que começa a viver um novo dia.

Bob se arruma, rápido e sai. Precisa de ar. Ele caminha pelas ruas sem reparar em nada em particular. Vez ou outra é incomodado por alguém que o reconhece e pede um autógrafo. Mas, ele não escuta nada, apenas caminha, engolido pela cidade que pouco a pouco fica cada vez mais barulhenta.

De repente, Bob se detém. Vê algo que o desconcerta. Um grupo de homens substitui a publicidade de um grande outdoor que agora repousa no chão. A imagem dele mesmo em um carro conversível está sendo descartada. Ele se detém um instante e observa, incrédulo, a sua própria imagem estampada. Logo se forma uma pequena multidão ao seu redor. Ele demora para perceber que está cercado. Pessoas munidas de telefones e ipads tiram foto dele naquela situação estranha. Um homem e seu espelho.

Charlotte cruza uma esquina e de repente dá uns passos para atrás ao ver uma pequena confusão de gente em uma avenida próxima. Ela se aproxima, curiosa, e se surpreende ao ver a imagem de Bob jogada ali no chão. Ela não entende por que tem tanta gente em volta da publicidade. Mas, a curiosidade não dura muito. Quando ela se gira para perguntar para alguém o que está acontecendo, dá de cara com Bob que tenta fugir dali. Os dois ficam absolutamente surpresos com o encontro casual, mas antes de dizer qualquer coisa, sabem que tem que sair dali. Ela se afasta e consegue parar um táxi. Entra no veículo. Bob se apressa e vai com ela.

O taxista reconhece Bob e começa a falar sobre como é fã dele. Charlotte ri da situação insólita. O taxista quer saber onde eles vão. Bob diz para algum lugar vazio. Vazio tipo o que?, quer saber o taxista. Charlotte sugere um parque pequeno afastado. Eles vão em silêncio ao som da tagarelice do motorista. Bob toma as mãos de Charlotte que logo acomoda sua cabeça no ombro dele. Ficam assim observando a cidade que desfila pela janela do veículo.

Eles chegam no parque. Bob diz que sentiu saudades. Charlotte diz que também. Eles ficam se olhando, com intimidade. Charlotte conta que largou John. Bob diz que não sabe se consegue largar Nancy. Charlotte diz que separações à meia idade são mais difíceis e que ele tem um filho para cuidar. Ele pergunta: e agora? Ela encolhe os ombros como quem não sabe a resposta. Sorri. Ele se aproxima. Eles finalmente se beijam. Um beijo curto, meio sem graça, de quem ainda não tem familiaridade. Charlotte se afasta, com ternura. Diz que ele é o melhor amigo que ela pode ter. Ele sorri, resignado. O celular dele toca um alarme. Ele está atrasado para uma gravação. Ele não quer ir. Ela o incentiva. Eles estão na mesma cidade. Vão se encontrar outra vez. Ela dá um beijo leve nos lábios dele e vai embora. Ele tenta pegar um táxi. Não consegue. Tenta um e outro. Consegue no terceiro. Sobe. Avança pela rua. Vê pela janela Charlotte caminhando pelo parque. Sozinha como ele.

CAMILA AGUSTINI (Vencedora do GUIÕES 2014)

reencontros-redux

Ilustração de Pedro Ferreira

A “SEQUELAS” é uma iniciativa promovida pelo GUIÕES – Festival Internacional do Guião Cinematográfico de Língua Portuguesa (www.guioes.com) e destina-se à celebração do 120º aniversário do Cinema. Ao longo dos 12 meses de 2015 serão lançados textos ilustrados, criados por alguns dos mais entusiasmantes criativos de Língua Portuguesa, para homenagear alguns dos mais icónicos elementos da História do Cinema.