SEQUELA Nº 8 (AGOSTO/15)

ERA UMA VEZ EM TÓQUIO

Onomichi, Japão

Shukichi Hirayama está sentado no chão com as pernas cruzadas, perdido em pensamento. É de manhã, Primavera. Ao longe ouve-se o barulho dos motores dos barcos no rio e as campainhas das fábricas dão início ao dia de trabalho. Na rua as crianças passam sozinhas ou acompanhadas pelas mães e avós, para ir para a escola. Deve ser quase hora do comboio passar, pensa.
Uma vizinha passa junto à janela e dirige-se a ele, como faz quase todos os dias àquela hora:
– Bom dia Shukichi-san, já tomou o pequeno-almoço?
– Sim, bom dia, obrigado. A Kyoko deixou-mo preparado antes de ir trabalhar. Fiquei é sem chá, vou agora à mercearia comprar.
– Você não quer que eu o compre por si? Vou lá ao final da manhã e trago-o.
– Não, obrigado, faz-me bem a caminhada.
– Sim, está um dia bonito. O senhor tem falado com os seus filhos?
– Raramente. Falei com a Noriko o fim de semana passado. A senhora lembra-se dela?
– A viúva do Shoji?
– Sim, conheceu um rapaz no trabalho que a pediu em casamento. Telefonou-me a dar a notícia.
– O que é que o senhor disse?
– Disse que achava bem. Já faz tempo que o Shoji faleceu e ela deve seguir com a vida dela. Fico feliz por ela.
– Muito bem, muito bem! Bem, até logo.
– Obrigado, até logo.
A vizinha fez-lhe um vénia e Shukichi retribuiu. Levantou-se vagarosamente, calçou as sandálias junto à porta e parou um pouco a olhar. No fundo do corredor um vaso de flores estava em cima de uma mesa de estilo antigo. Raramente olhava com atenção para ali. Naquele dia, fê-lo lembrar a esposa. Todos os dias a esposa cuidava daquelas flores, um hábito que tinha começado há mais de 40 anos, quando se mudaram para aquela casa. Agora era Kyoko, a filha, que se encarregava disso. Na rua não estava ninguém àquela hora. O sol batia de leve. Por as ruas serem estreitas, as sombras das casas ficavam desenhadas nas paredes. Dirigiu-se vagarosamente à mercearia que ficava ali perto. Era hora do comboio para Osaka passar, onde o seu filho Keizo devia estar a pegar para mais um dia de trabalho, na estação de comboios.
Na mercearia estava Kazuhiro, nos seus quarentas, o dono da loja.
– Bom dia Shukichi-san!
– Bom dia!
– Então, por aqui? A Kyoko esqueceu-se de alguma coisa?
– Chá. Esqueci-me de lhe dizer para ela trazer.
– O senhor bebe Hojicha, não é? O senhor sabe onde está?
– Sim, sim.
Pegou no pacote de chá e começou a dar uma volta à loja, fazendo-se de interessado. Começou por olhar para a fruta.
– Belas maçãs.
Kazuhiro acenou em sinal afirmativo. Continuou, olhou fugazmente para a prateleira dos doces, até chegar à zona das bebidas. Olhou durante uns segundos e pegou desinteressadamente numa garrafa de sake. Pousou o chá e a garrafa no balcão. Kazuhiro pegou numa folha de papel com que começou a embrulhar o chã.
– A família vai bem?
– Sim, o Isamu está doente e não foi à escola.
– Ah sim?
– Agora anda sempre a dizer que quer uma daquelas novas televisões. O senhor já ouviu falar nisso?
– Eu não percebo muito disso, as crianças parecem gostar dessas coisas, mas com a idade dele devia andar a brincar na rua e não estar fechado em casa.
– Pois é, pois é.
Entregou-lhe as duas coisas embaladas.
– Aqui tem. Quer que aponte?
– Não, prefiro pagar agora. Aqui tem. Um bom dia e cumprimentos à família.
– Obrigado, um bom dia para si também.
Kazuhiro seguiu Shukichi com o olhar até à porta. Quando o perdeu de vista esboçou um sorriso e abanou a cabeça.

FERNANDO LINO

tokyostory-redux

Ilustração de Ana Ribeiro

A “SEQUELAS” é uma iniciativa promovida pelo GUIÕES – Festival Internacional do Guião Cinematográfico de Língua Portuguesa (www.guioes.com) e destina-se à celebração do 120º aniversário do Cinema. Ao longo dos 12 meses de 2015 serão lançados textos ilustrados, criados por alguns dos mais entusiasmantes criativos de Língua Portuguesa, para homenagear alguns dos mais icónicos elementos da História do Cinema.